Ken Livingstone readmitido no Partido Trabalhista

Blair rendeu-se.<br>«Cometi um erro», afirmou

Manoel de Lencastre
O regresso do «mayor» de Londres, Ken Livingstone, ao seio do Partido Trabalhista, de que havia sido afastado em 2000, assinala um dos mais expressivos gestos de recuo jamais personificados por um primeiro-ministro britânico. Tony Blair dissera que a eleição do «mayor», como independente, em 2001, se traduziria num desastre tanto para o Partido como para a cidade de Londres. Mas os factos dizem o contrário.
Blair, consciente de que Livingstone voltará a vencer no próximo mês de Junho, não teve alternativas. A readmissão de Livingstone tornou-se numa realidade cujas consequências estamos longe de poder prever. Vivem-se dias agitados na Grã-Bretanha. Nunca a eventual demissão do primeiro-ministro esteve tão próxima. Vai realizar-se a votação parlamentar quanto ao proposto aumento das propinas dos estudantes universitários. No fim do mês, o país conhecerá as conclusões do juiz Hutton quanto à posição do governo na divulgação abjecta do nome do cientista Kelly como «bode expiatório» na célebre questão das armas de destruição maciça que Tony Blair garantiu que o Iraque possuía. A Grã-Bretanha está à espera de ver como irá Blair resistir a estes históricos desafios. O primeiro-ministro, entretanto, para mostrar grandeza, chamou ao Partido o porta-bandeira da esquerda, aquele em que o povo acredita, Ken Livingstone.
As próximas eleições para Londres realizar-se-ão a 10 de Junho deste ano. Oficialmente, o «New Labour» tem uma candidata, a senhora Nicky Gavron. Mas a candidatura não tinha hipóteses de vitória. O célebre «Red Ken» voltaria a vencer como independente. Melhor seria, portanto, chamá-lo de novo ao Partido, dar-lhe a candidatura oficial e esperar dele o quase inevitável triunfo. Foi o que Tony Blair projectou apesar da oposição de Gordon Brown, chanceler da Tesouraria, e do vice-primeiro-ministro, John Prescott, o que esqueceu as suas origens partidárias e sindicalistas. Mas o executivo trabalhista da área londrina votou por 25 votos contra 2 a readmissão de Livingstone e a sua adopção como candidato.

«O presidente americano é um cobarde», afirmou Ken

Neil Kinnock, vice-presidente da Comissão Europeia e antigo líder trabalhista, declarara: «Não existe a mínima possibilidade de o Partido Trabalhista acreditar na lealdade e nos compromissos partidários de Ken Livingstone».
Naturalmente, pelo que se conhece da carreira de «Red Ken», os seus compromissos são para com o socialismo e não para com os alinhamentos dos principais dirigentes do trabalhismo com o capitalismo e o imperialismo. «Estou na política britânica há 40 anos» disse «mas a verdade é que nunca ouvi um primeiro-ministro britânico dizer que errou, como aconteceu, agora, com Tony Blair. A minha actividade como “mayor” da capital britânica é conhecida. Quanto ao futuro, estou preocupado com a hipótese de ataques terroristas em Londres e com os problemas da segurança dos cidadãos».
O governo «New Labour» e a direita esperavam que o projecto de redução do trânsito em Londres resultasse na confusão geral e num fracasso. Pelo contrário, foi um êxito. O governo Blair exigiu a privatização do Metro, o histórico «Tube», mas não conseguiu levar à prática tão catastrófica medida devido à oposição do «mayor». Por outro lado, Ken Livingstone aliou-se ao sentir de quase toda a Grã-Bretanha ao declarar em Maio de 2003: «O presidente norte-americano é um cobarde. O seu governo não merece apoio. Deve ser afastado, tal como o de Saddam».

A luta pelo controlo do Metro

Mal se verificou a eleição de Ken Livingstone como «mayor» de Londres em 2001, o governo de Blair, ferido pela preferência dada pelo povo a um candidato que lhe escapou, tratou de divulgar o seu plano para o Metro de Londres, o célebre PPP (Public & Private Partnership) ou Associação Pública e Privada. Pretendiam Blair, Brown e Prescott fazer entrar o capitalismo de gestão privada nas actividades do Metro de Londres - um gigante com 17 000 trabalhadores e milhões de passageiros diários. Opôs-se-lhes o «mayor» da cidade, um político ainda jovem mas de longa experiência que o povo prefere conhecer como «Red Ken». E com ele, um americano chamado a colaborar na definição da estratégia de administração do Metro, Bob Kiley. Na prática, «Red Ken» mostrava-se invariavelmente tranquilo. O americano era quem se revelava inquieto e decidido à luta.

Não aos despedimentos!

O governo recusava fundos para que se levasse à prática um projecto de grandes obras em toda a estrutura do Metro, que conta cerca de trezentas estações, a menos que o «mayor» concordasse na entrada dos privados. Logo o Sindicato SMS, que agrupa a marinha mercante e os caminhos de ferro, fez saber que as alterações estruturais propostas pelo governo blairista teriam de contemplar a garantia do emprego de todo o pessoal. Uma ameaça de greve fez diminuir a pressão. O «mayor» recorreu aos tribunais. E o despacho judicial saiu a dizer que privado ou público o «Underground» teria de respeitar os empregos do pessoal com quem estava comprometido. «Red Ken», perante este despacho, viu a vantagem de chamar os tribunais à luta. Os juizes eram sensíveis ao facto de que a opinião pública estava ao lado do «mayor».
O plano governamental implicava a transferência de 7000 trabalhadores para o consórcio que se encarregaria das obras de manutenção dos carris, das estações e túneis em toda a extensão das célebres linhas Bakerloo, Central e Victoria. Este consórcio, com o nome de «Metronet» era formado por grandes nomes do sector britânico da construção civil e indústrias colaterais – Balfour Beatty, Seeboard, Thames Water, entre outras. Disse um dos dirigentes do consórcio, Roger Shire: «Preferimos entrar em acção segundo as linhas de um negócio normal e podermos despedir pessoal onde isso nos parecer essencial». A perspectiva pareceu a «Red Ken» um tanto oblíqua pelo que voltou aos tribunais para esclarecimento e memória. Ele sabia e sabe que ninguém entre os oito milhões de londrinos via com bons olhos o plano de privatização do Metro.
Duas outras companhias receberiam do governo os sectores da manutenção e obras de modernização das infra-estruturas nas restantes linhas do Metro, por 30 anos. Mas, como se tinha por inevitável, todas estas companhias exigiam dezenas de milhar de milhões de libras da Tesouraria (Gordon Brown) para a realização dos seus trabalhos. Os investimentos próprios seriam mínimos. O governo blairista começou a ceder. As explicações do americano ganhavam peso. Disse «The Daily Telegraph» na altura: «Os concorrentes à privatização do Metro estão furiosos». Não haviam de estar ... Por esta altura, o apoio popular a «Red Ken» era intenso. Mesmo os jornais conservadores «Evening Standard» e «Financial Times» reconheceram que a luta do «mayor» londrino para conservar o «Tube» sob o controlo da autarquia era justa. Os privados, assim, recuaram. Disse Livingstone: «Os culpados de toda esta luta são os príncipes da Tesouraria que nunca geriram nada na sua vida ...»


Trânsito londrino
O plano de “Red Ken” triunfou


O trânsito em Londres era atroz. Vir da área do Surrey, entrar na zona ocidental da cidade onde se situa o aeroporto de Heathrow, apontar ao centro pela Cromwell Road, Knightsbridge, Piccadilly, era uma tortura de longas horas. A verdade é que toda a gente queria entrar em Londres ao volante do seu próprio carro. E, afinal, os comboios regionais que chegam a Waterloo, Victoria, Charing Cross, Liverpool Street, Marylebone e outras estações locais eram tão acessíveis e pontuais antes das privatizações assassinas...
Poucos acreditavam que o plano de Ken Livingstone para afastar o trânsito do centro de Londres resultasse. Era um plano arriscado. Mas o «mayor» londrino perseverou. As receitas seriam volumosas e a cidade precisava de dinheiro. Centros de portagens foram colocados nas entradas principais da grande metrópole - Edgware Road, Marylebone Road, Park Lane, Hyde Park Corner, Vauxhall Bridge Road, Kensington Park Road, Tower Bridge, Kingsland Road, City Road, Euston Road, principalmente. Por estas vias entravam milhões de pessoas e muitos milhares de carros, diariamente. Mas as portagens, a cinco libras por dia (7.50 euros) resultaram num êxito. O trânsito para Londres caiu quase imediatamente. As receitas ascendem, já, a 300 milhões de libras, anualmente. Agora, andar de carro no centro da capital do mundo, em vez de um martírio tornou-se num prazer.
Outras cidades britânicas estão a adoptar o sistema - Bristol, Cambridge, Durham, Nottingham, Leeds, Leicester, Birmingham, Manchester. O Ministério dos Transportes já disse que o sistema londrino de Red Ken poderá trazer aos cofres das autarquias mil milhões de libras (1,5 mil milhões de euros) já em 2005.


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